Sentar-se passivamente e deixar rolar uma história à sua
frente, numa tela grande, com som alto, é permitir-se sonhar um sonho
compartilhado. Mas a nossa mente não fica tão passiva assim, a ponto de aceitar
tudo como vem; de um jeito que não é possível calar a crítica interna, sempre atenta.
Crítica esta que diz respeito tão-somente à expectativa de
se deixar participar emotivamente de dada história, mas com a razão acompanhando
ao lado, verificando se a “regra do jogo” está sendo respeitada.
E a “regra do jogo” consiste em se entender que os personagens
e o ambiente fazem parte de um mesmo universo – raramente ou quase nunca é esse universo que eu
e você habitamos, mas ainda assim um universo com suas próprias regras.
Respeitando-se isso, basta a obra à nossa frente trabalhar
somente com nossas emoções.
Eis a fórmula da obra-prima!
Mas – sempre há um mas em meus pensamentos –
“sentar-se passivamente” é a busca pelo exercício zen de ter a mente livre,
limpa e serena, com a “xícara-devidamente-vazia”, para que se encha satisfatoriamente com o novo que se apresenta à sua frente.
Um exercício que não consegui aplicar quando me reclinei no
agradável estofamento do IMAX e
coloquei o par de óculos para desfrutar da hiperrealidade do 3D, pois, assim que o
filme começou, me incomodou eu não estar imerso no contexto do filme.
Por duas
faltas. Uma minha e outra do exibidor.
Da parte do exibidor a culpa é tripla: a tela é grande
demais para um filme que foi rodado em 35 mm, deixando desta forma a imagem “lavada”; o 3D
é extremamente fajuto, não justificando ficar duas horas e meia com um par de
óculos para desfrutar quase que somente legendas em destaque; e o aspect ratio estava errado
no projeção, deixando tudo espichado, e todos os personagens ficaram “um pouco
gordinhos” – Laurence Fishburne mais gordo que os outros.
Da minha parte, a culpa maior: a obra de 1978 é extrema e
pontualmente marcante em minha memória emotiva (já está distante aquele “sonho compartilhado”
que tive numa noite de sábado, na tv, no início dos anos 1980, mais ainda vive
livremente entre minhas “memória & imaginação”).
Gostaria de não ter assistido aos dois primeiros filmes estrelados pelo saudoso Christopher Reeve para poder ter apreciado, com todos os méritos, a O Homem de Aço (Man of Steel – EUA – 2013)
Toda cultura de um povo, de uma nação, quando passa por um
período de sofrimento, não sabe que aquilo é somente um período, mas parece viver um
presente que se extenderá à eternidade.
E a salvação, para um povo que sofre e perece na luta, parece que não virá de
outro lugar que não seja do alto, na esperança que um deus maior mande um representante para
salvar este povo.
Ora para que a esperança deixe de ser verbo e se transforme em carne.
Uma carne imortal. Ou tão indestrutível quanto o aço.
Ora para que esse deus
envie sua maior arma para defender os justos, os menores e sofredores. Ainda que, ao enviar essa divindade encarnada, ela venha a conhecer o suplício da carne e venha temer seu destino.
Isso vale para a ideia que a nação judaica desenvolveu há
mais de três mil anos - e que os cristãos acataram há dois mil.
Isso vale para a Terra que tem uma cidade chamada
Metrópolis, com um povo que, tal qual o americano médio dos anos 1930, passe
pela necessidade de um salvador.
Vale para um povo que não tem em sua história um herói com
a referências de força para mudar e transgredir que o povo escocês tem com William Wallace, que o povo francês tem com
a figura da Joana D’Arc. Um herói que destõe de seu tempo como japonês tem com Miyamoto Musashi, que o chinês
tem com Wong Fei Hung, que o espanhol tem com El Cid, que uma América Latina
inteira tem com um Che Guevara, que o brasileiro tem (sim, tem!) com o composto mix de um Tiradentes, Max
Wolf Filho, Dom Pedro I, ou mesmo que localmente, de um Barão do Cerro Azul.
São figuras históricas que servem de referência a um povo em momentos de luta e luto.
Mas, para a mente humana, lembrança e imaginação por
diversos momentos convivem na mesma sala.
E a esperança acaba sendo imputada na
mente criativa de contadores de história.
Ponto para a raça humana!
E, como força impulsora tanto faz o quanto é real ou imaginário o personagem que
habita a conversa entre fiéis. O sucesso de ambos – e outros – arquétipos prova
a força de uma linguagem universal.
Lembre-se que o deus-Sol é fonte de força, nos alimenta, revigora nossa
vitalidade e esperança, traz vida e mudança, serve até mesmo de alimento, como as palavras de um um deus-pai, ou um sábio-pai.
Seja ele biológico ou emocional.
É o mesmo Sol que queima vampiros e que dá forças infinitas
para quem defende a verdade.
É o mesmo Sol que ilumina as trevas da alma, joga luz sobre sombras que
nos enfraquecem e nos matam.
É o mesmo Sol que alegra um país tropical.
Assim aconte com a Lua, aqui destruída em Kripton, que denota o horror em
se matar a imagem da figura materna. E a saudades será eterna, mesmo para um deus-homem que
mantém contato com a ideia-pensamento de seu pai.
E é justamente nesse ponto que a sensação de “pertença” do herói com
vestes de realeza caminha, ou volita, sobre um muro estreito na obra de Zack
Snyder; pois, apesar da diferença com o universo criado para Bruce Wayne na
visão turva de Christopher Nolan, onde temos personagens que não se encaixam em
seu ambiente (Gotham City, cadê você?), fazendo parecer o cavaleiro das trevas uma figura patética e risível vestindo uma
fantasia, o Clark Kent/Superman sutilmente justifica sua figura - e ela também
é justificada em seu ambiente – bem como toda sua desenvoltura superfísica –
mas o problema é que o povo da Terra/Metrópolis parece não estar tão carente deste herói, nos
dias da Metrópolis de hoje (valei-me David Dunn e Hancock!).
Obviamente que todo este meu pensamento é elaborado agora,
enquanto escrevo, pois a força narrativa do filme não dá espaço para se perder
em divagações em tempo real.
O Homem de Aço é um filme que funcionaria do mesmo jeito –
talvez até melhor – mesmo se o filho mais famoso de Krypton na Terra não
fizesse parte dele.
Poderia até mesmo ser a mesma história ambientada no universo
de zumbis, espartanos, corujas ou internas dentro de um sanatório.
E apesar da força da obra, ainda assim, é uma peça menor,
até o momento, do cineasta em atividade que mais me empolga na atualidade, ao
lado de Yimou Zhang e dos irmãos Wachowski.
...
Crueldade extrema: o início do filme, em Krypton, nos dá o tom
de Gladiador + Thor, dá uma passada em Avatar no mundo de John Carter e termina
com a plantação de gente de Matrix, com a estética de Prometheus.
E você verá, sim, um gordo Morpheus, onde Neo o salva mais uma vez no último
segundo.
(Ver filmes demais, realmente, pode atrapalhar o processo
criativo. Seja como realizador, seja como espectador. Não é mesmo, señor Buñuel?)
...
Quando um filme-pipoca consegue levantar tantos pontos
dispersos, ponto para o filme, que transcende sua proposta.
O título do meu post, a título de curiosidade, refere-se ao
conceito
Deus Ex Machina
...
Um último atrevimento: vou rever o filme no cinema, em 2d,
em cinema “normal”. Lembrando de chegar devidamente 20 min atrasado. Não sem antes
me deslumbrar novamente com a Krypton do mestre multiversátil Richard Donner.
...
Atualização 1 - Faz uma falta extrema a trilha sonora de John Williams, que tem em Superman o tema que mais me anima, além da trilha toda ser deslumbrante - Hans Zimmer continua sendo Hans Zimmer: é o bom-igual de sempre.
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Indicado a: quem nunca viu os filmes da franquia estrelados
pelo Christopher Reeve; quem gosta de filmes de ação e não dá tanta importância
para a gênese criativa; quem é fã do Superman dos quadrinhos e curtiu um tanto
Smalville.
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