quarta-feira, 26 de outubro de 2011

A TRANSIÇÃO DE RATO A HOMEM

Em 2003 eu participava de uma pós-graduação lato sensu na Universidade Tuiuti do Paraná. Com um corpo docente diversificado, o curso como um todo me ampliou pontualmente algumas questões, reforçou alguns entendimentos antigos e me introduziu em novas salas do conhecimento.

Um dos módulos chamava-se "Tópicos Contemporâneos" e era conduzido pelo jornalista Paulo Camargo, então editor-chefe do Caderno G, do jornal curitibano Gazeta do Povo.

Ao final da disciplina, a exemplo de outras, os alunos eram convidados para elaborar um texto sobre um tema específico - neste caso, "A Masculinidade no Cinema".

Naquele momento eu me via enebriado no estudo das raízes da psicanálise - de forma autodidata, quero deixar claro - via Georg Groddeck. Com a mente efervecente elaborei o texto que segue abaixo.

Este filme foi a primeira obra que me levou ao cinema e, apesar da boa lembrança, recebo hoje ele com um tom mais amargo: o orfanato, um lugar de crianças, dentro de um filme para crianças, é das locações mais desoladoras que já conheci. A trilha sonora, junto com a canção-tema, são excepcionalmente melancólicas.

Relendo, ainda gosto muito do filtro que utilizei para compreender a obra setentista da Disney. Mantive algumas formas de expressões não-corretas. ;-D

E também faço questão de deixar claro que minha visão sobre o cinema, desde então, ficou mais contundente.

Tenha uma boa leitura.

BERNARDO E BIANCA – UMA TRANSIÇÃO DO RATO AO HOMEM

Um olhar esclarecedor sobre a masculinidade metaforada e exaltada na figura do herói em `Bernardo e Bianca` (The Rescuers), da Disney Pictures, de 1977

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"Toda tecnologia é um instrumento e, por isto, neutra em si mesma. Importante é o uso que os homens fazem dela - este sim pode ser valorado como bom ou mau." - Flávio Mário de Alcântara Calazans

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1977, ano em que a Disney Pictures lança o que seria o derradeiro dos filmes animados feito por remanecentes da equipe "Old Nine Men", grupo clássico de animadores de contato pessoal com o já então falecido Walt Disney; um dos últimos trabalhos pré-era digital. Após anos trabalhando em longas utilizando cães, gatos, raposas, ursos e toda a sorte de personagens do livro da selva, a Disney rosolve apostar num rato. Não o alter-ego do fundador, o mouse vitiligoso, de três cérebros, solteirão resoluto de primorosas peripécias físicas e intelectuais; mas o mice que é tão instigado em momentos decisórios nas desventuras de um herói. Adaptado livremente sobre dois livros de Margery Sharp (“The Rescuers” e “Miss Bianca”), Bernardo e Bianca tem como herói, na definição de quem passa por uma jornada transformadora e sai dela diferente, Bernardo. Branco como um rato de laboratório, Bernardo é a imagem do underdog em literal cena: o faxineiro, zelador de uma organização de camundongos defensores de causas universais, segue atento o andar de Bianca, que não simplesmente o convida para compartilhar um desafio, uma aventura, mas para ser o protagonista dela - vocação que só será confirmada na resolução da aventura. A participação de Bernardo não é engajada e tampouco casuística, a relevância é a insistência de Bianca, que aos poucos vai se mostrando ser a Eva que leva Adão até o pomar da serpente – que está muito além de um paraíso prometido, mas mais especificamente na casa do diabo - o “paraíso” se encontra na jornada, como mais tarde se verificará. Pois é lá que a história tem seu começo e seu clímax. Mais uma vez podemos presenciar uma história que propõe a serpente a devorar sua própria cauda.

A história começa com um pedido de socorro da garotinha Penny, encarcerada na Baía do Diabo e incumbida de encontrar o Olho do Diabo, uma supergema de diamante. Após termos uma idéia do ambiente da cena - um pântano azulado, com árvores chamando nossa atenção para que prestemos atenção, e uma embarcação atolada ao fundo – vemos Penny e seu urso de pelúcia saindo atenta do interior vermelho crepuscular do navio. O pedido de socorro – um bilhete dentro de uma garrafa de vidro – é jogado na água. A cena é assistida pelos protetores da vilã e guardiões da virgem, os crocodilos Nero e Brutus. Em seguida acompanhamos frames da travessia da garrafa pelo mar, símbolo de uma mente inconsciente em turbilhão, esse mar agitado e tempestuoso encerra em si o conflito da personagem em vias de ser sacrificada. No final dessa sequência vemos a garrafa chegar ao seu destino único e “inevitável”: Nova Iorque – sede da ONU.

No edifício da ONU vemos ratos saindo de bolsas e pastas, e se dirigindo a um outro “buraco secreto”, a sede da Prisioner´s Aid Society. É lá dentro que a mensagem será retirada da garrafa e lida (embalagens dentro de embalagens – mais segredos encarcerados). Ante a animosidade dos burocratas em cena, Bianca se propõe a entrar na missão – e Bernardo se trai, quando, pela força do verbo, Adão motiva Eva a colocá-lo à frente do perigo, quando ele avisa a todos que ela é somente uma dama.

A partir da aliança formada pelo casal, persebe-se subitamente que o filme se carrega de elementos do cinema noir – clima soturno, capas de chuva, chuva, enigmas, poças d´água, meias-luzes. O sol só voltará a aparecer para montar um arco-íris, numa cena mais adiante – ponto central da história, carregada de significados.

Na investigação dentro do orfanato, Bernardo encontra a caixa Penny´s, e Bianca se encanta em saber que de fato ali se encontram os “tesouros de Penny” (sic). Nesse ponto claramente se estabelece o paradoxo sexual de Penny (pênis) e sua feminilidade virginal (a caixa – mesmo esta já em “mau estado de conservação”).

Guardião do Portal, Ruffos é o gato do orfanato, personagem que transita livremente entre o universo dos Ratos e Homens (ele fala a língua dos dois). O espírito que Ruffos carrega, como sendo um protetor, vai voltar mais tarde na história dentro de outros dois personagens.

Na loja de armarinhos da vilã Medusa, vemos que é quinta-feira 12 – um prenúncio do período que estão para transitar - e que o perigo maior ainda está por vir (somado ao temor supersticioso de Bernardo, percebemos que Bianca está sempre nos advertindo acerca dessas “bobagens”: “ora ora, deixe disso Bernardo!” - sic). Durante a investigação encontram um livro vermelho, com a cor do sacrifício, e ali dentro eles encontram o nome de Penny exclusivamente inscrito. Sincronicamente um cuco canta (um passarinho que sai de sua casa, um zíper inadvertidamente aberto). Bernardo se assusta, e a capa do livro quase o acerta. Ainda assim amassa a ponta de sua cauda, o terceiro membro de seu baixo-ventre – até então um mero adereço, agora é motivo de riso para Bianca, já que Bernardo desajeitadamente tenta desamassá-lo. Bianca se impõe e mostra destreza no assunto. Nesse ponto a alusão à sexualidade frágil de Bernardo se evidencia mais, pois na sequência ele tenta se passar por um cavalheiro polido e educado, mas cada experiência é um desastre...

Novamente a ambiguidade sexual é colocada à mostra quando a histérica Medusa adentra o recinto e Bernardo tenta se esconder numa gaveta – para dali entrar na mala de viagem da vilã. Bianca nesse ponto é conduzida pela ação: as coisas não estão indo de acordo com suas expectativas: as ações dela, como um personagem que sabe qual papel está sendo desempenhado, não são acompanhadas por Bernardo. Durante essa seqüência ouvimos Medusa ao telefone, realçando a necessidade em se encontrar o diamante, que está em algum lugar no fundo de um buraco fundo, escuro e úmido, cercado por forças incontroláveis da natureza. Penny(s) é a única (!) que pode entrar lá e encontrar essa mais bela jóia do mundo. E a urgência é ditada por sua histeria – nenhum outro compromisso a impulsiona para essa busca. Não há uma demanda razoável. Nunca é citada a importância ou o valor venal da jóia.

Quando Bernardo entra na mala da velha – que aparentemente carrega roupas femininas e material de maquiagem – ele fica preso no meio das lingeries, visivelmente desconfortável. E quando Bianca finalmente consegue entrar na mala, esta oportunamente parece que não a aceita e rejeita ambos os ratos, indo parar fora do automóvel de Medusa; um carro longo, possante e que empina/erege assim que se pisa em seu acelerador.

Para prosseguir na viagem, Bernardo e Bianca precisam pedir ajuda aos céus – vão a um heliponto, num prédio ao lado do topo do arranha-céu Empire State. Eles se encontram agora acima das potencialidades e realizações humanas. O Olimpo metaforado. E não é uma máquina do homem que os vai transportar, mas um instrumento da natureza.

Aqui volta o espírito que estava em Ruffos, agora materializado e responsabilizado em Abílio, o Albatroz. Desta feita estão com suas malas/bolsas de viagem – é necessário carregarmos nossos tesouros até à casa do diabo, pois não sabemos que sacrifícios ele pode nos pedir, mesmo sabendo que essa bagagem é peso morto que certamente vai se perder no caminho; com exceção do viril guarda-chuva multi-uso de Bernardo, que protege, abriga, defende, ataca e está sempre à mão.

No heliponto, no abrigo vazio de Abílio, só se encontra um rádio – em funcionamento, com uma voz do além que pede responsabilidade a Bernardo, como a voz que saía da Arca da Aliança e que chamava por Samuel. Bernardo só age depois que a voz o chama de “paspalhão, imbecil, idiota” (sic). Após a ação pedida a Bernardo (a autorização do pouso de Abílio / a autorização para que o céu intervenha), curiosamente Bianca diz que não entendeu nada do que foi dito no rádio (o que foi dito pelo rádio para Bernardo, somente para Bernardo foi dito – realçando a imagem de oráculo). Somente o proto-Neo Bernardo estava predestinado a decodificar a mensagem.

O gato cedeu a vez para o albatroz. Saem pêlos e entram penas, sai a fragilidade da idade (sabedoria?) e entra o profeta desengonçado, com a sensação de quem está falsamente improvisando um papel que segue uma regra clara. O interlocutor entre ratos e homens agora é o transitor entre o céu, a terra e o inferno (para lá ele vai, mas é sabido que é impossível voltar do inferno do jeito que se vai).

O vôo: quando eles estão em curso pelas vias da cidade, eles cruzam um sinal vermelho - sinal para quem está na dimensão terrena, notadamente não para quem já mergulhou para um outro universo. “Avançamos um sinal vermelho” diz Bernardo. “Ora, eu faço isso toda hora!” retruca Bianca, que dá um beijo em Bernardo e completa “fique tranqüilo”. E Bianca, fêmea resolvida que se apercebe das limitações daquele-que-está-para-ser-homem, mostra que os limites agora são outros. A "pílula vermelha" do proto-Neo pré-Matrixiano já fora tomada. (Nota: curiosamente é nessa mesma seqüência que foi "enxertada" a cena do topless humano-feminino, numa das janelas ao fundo, reforçando essa leitura sexualizada em seu próprio contexto). E é a primeira vez que Bernardo relaxa na história depois de conhecer Bianca.

Bianca já sabe aquilo que Bernardo precisa aprender: que a natureza age com sabedoria, basta relaxar e aproveitar o passeio; transmutar os temores do vôo e seus perigos como se fosse um químico adrenalítico para sensações maiores.

A seqüência do vôo pelos céus de Manhattan e mar além é de fundamental importância para a história de Bernardo: em dado momento chove, mas Bernardo tem seu prestativo/preservativo para protegê-los de infortúnios menores em sua missão. Quando a chuva pára, o guarda-chuva é guardado, Bianca abre um sorriso e o céu se abre para um arco-íris. Na seqüência Bernardo tenta conduzir um raciocínio, retomar um diálogo, mas ela dá um basta porque precisa dormir e sabe que todo o mais é balela naquele momento, e se aconchega junto dele (detalhe: a lata de sardinhas que é o assento de transporte nas costas do albatroz se assemelha muito a um leito com encosto e coberta).

Além de toda a questão sexual ter caminhado para um desfecho, uma resolução nova foi tomada nas entre-entrelinhas: Bianca relaxa triplamente: sabe que só resta uma virgem para o sacrifício. Bernardo agora está a salvo – ela, em seu ambiente, sempre esteve. Bernardo, na condição de macho, poderá salvá-la de qualquer infortúnio no inferno e ele, por ter resolvido sua questão feminina, não será seduzido pelo Olho do Diabo. Em “O Sr. Dos Anéis” (The Lord Of The Rings - EUA - 2001-2003), Frodo sempre titubeia em sua jornada – algo está sempre para ser completado. E somente Laracna vai paleativamente resolver esse dilema.

Chegamos à terça parte da história, que é fazer Penny(s) cumprir sua obrigação – salvá-la é na seqüência/conseqüência. O serviço precisa ser feito. O buraco da velha precisa ser esmiuçado. Bernardo e Bianca chegam à Baía do Diabo sincronicamente quando Penny tenta fugir. Chegam no momento em que podem presenciar a fragilidade da virgem e sua dupla impotência em sair daquele inferno – executando ou não sua missão. Bernardo vacila e mais uma vez Bianca o anima. Podemos também concluir nessa seqüência que o inferno é um local sem uma geografia definida, não sabemos por onde se entra (os ratos e o albatroz estavam adormecidos em seu vôo, o inferno os acorda), mas sabemos como se sai: enfrentando o desafio, sendo maior que as potestades e sobrevivendo.

Quando a dupla de camundongos segue os crocodilos, que carregam Penny de volta para o cativeiro (o passarinho precisa voltar pra gaiola, para renovar suas forças para a penetração diária), surge a primeira oportunidade para Bernardo poder provar suas novas qualidades, adquiridas pós-coito. Ele precisa salvar Bianca pela primeira vez, que até então não se encontrava em situação de perigo algum que necessitasse ajuda alheia. A partir de agora, vemos uma nova expressão em Bernardo: mais determinado, mais “senhor de si”. O medo cedeu espaço para a cautela. Contrastadamente é no inferno que Bianca está mais exposta: seu perfume é sentido pelos crocodilos (a dupla, sempre junta como um par de testículos, só trabalha normalmente sobre o comando da vilã). E em seguida os crocodilos se surpreendem quando descobrem que não podem subestimar mais um camundongo e seu sabre/guarda-chuva. O rato se tornou homem e ninguém percebeu. Mas Medusa está para além disso, pois com seu calibroso rifle e de carga infinita, faz mais uma vez Bernardo vacilar, e Bianca mais uma vez tem de animá-lo e lembrá-lo de suas capacidades – e de sua responsabilidade com a organização que os confiou essa missão. Um apelo abstrato e emocional, já que evidentemente fisicamente eles não tem qualquer capacidade para fazer frente à Medusa – e por isso eles percebem que é necessário que Penny entre no buraco “horrendo e sujo” (sic) que a velha (sic) tanto insiste que seja penetrado. Mas não basta lá entrar, é preciso trazer o maior dos tesouros que em algum lugar lá está escondido.

Para Medusa, pequenas jóias já não mais a satisfazem. O que ela quer está mais fundo, o que ela busca é o gozo supremo, e é Bernardo, agora homem, que sabe o que é preciso ultrapassar: a maré, força incontrolável da natureza – mas que é controlável - que, como uma ejaculação precoce, é o principal empecilho para uma mais apurada exploração na greta/gruta. Somente na vez seguinte (no dia seguinte), com todos recompostos, é que se encontrará uma nova oportunidade para continuar a busca – que sempre parte de um mesmo começo. E é somente quando Bernardo usa a espada do pirata – falo maior que seu guarda-chuva, sentimento mais antigo que suas vidas, pois provém do cadáver que ali colocou o diamante – que consegue seu intento; que é o mesmo intento de todos ali presentes. O empenho de todos já não é mais a fuga, mas realmente conquistar a jóia. O fascínio feminino de Medusa pela jóia é justificado pelo olhar de Bianca quando vê o Olho do Diabo pela primeira vez.

Quando Penny tem a gema em suas mãos (e os ratos em seus bolsos), pronta para ser levada para a superfície, Medusa não se contém: “Mais rápido Asdrúbal, mais depressa!!!”. “Estou fazendo o mais rápido que posso” explica seu assistente/boneco. “Oh! Oh! Ohhhh! Até que enfim! O Olho do Diabo!!!!” grita a velha. Nada mais ao seu redor tem importância.

Asdrúbal, personagem menor, que é o remoto de Medusa, presente na história o tempo todo dentro do barco (ele morre de medo dos crocodilos), que até então se utiliza de Penny(s) para contentar Medusa, passa também a querer, ansiosamente, ter o prazer de ter o Olho do Diabo. E sua masculinidade se evidenciando também será sua nêmesis.

Notoriamente nesse momento de exposição da jóia à luzo do dia, o pântano, a Baía do Diabo, já não é mais um lugar tão escuro. E só agora podemos vemos as cores que estavam ali.

Após a participação carnavalesca de outros animais do pântano – e sua ajuda – caminhamos para o desfecho da história. Todos que não fazem parte do pântano conseguem ir embora. Medusa “descobre” que ali é seu meio e contrariamente é obrigada a ficar agarrada na chaminé do barco semi-afundado, com um crocodilo de cada lado tentando pegá-la. A situação gráfico-pictórica do falo que encerra em si a imagem desse inferno.

Bernardo, que se colocou nessa aventura através do verbo, é por ele que recebe sua graduação formal: “Bernardo! Bernardo! Você é maravilhoso!” - “Bianca, foi Penny que nos uniu!”. E na seqüência que antecede o fim – quando eles partem para outra missão – Bianca exclama: “Aventura! Emoção!”, enquanto se agita com o quadril para frente e para trás, para frente e para trás...

Glauber Gorski – Setembro de 2003

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REFERÊNCIAS

Livros:

O Herói de Mil Faces - Joseph Campbell

A Jornada do Escritor - Christopher Vogler

Manual do Roteiro - Syd Field

Para Ler o Pato Donald – Ariel Dorfman

Bíblia – I Samuel, 3

Sites:

www.imdb.com/title/tt0076618/

www.calazans.ppg.br

domingo, 16 de outubro de 2011

Corra, Personagem, Corra

Chris Gardner - Jaden Smith - Will Smith

Após cinco anos de seu lançamento, finalmente vi "À Procura da Felicidade" (The Pursuit of Happyness - EUA - 2006) e me deparei com um filme belo, emocionante, que imediatamente me fez ir até uma livraria e comprar a autobiografia de Chris Gardner, meu mais novo herói a habitar meu panteão íntimo de heróis reais e imaginários, colocando-o junto a Atticus Finch, William Wallace, Nathaniel Poe e John Dunbar, entre outros.

Além de todo o seu valor já comentado, um detalhe me chamou a atenção no filme: o quanto o personagem corre - mas corre muito - ao longo da sua trajetória, percorrendo todo o arco da jornada do herói. Will Smith teve um empenho físico razoável para quem estava interpretando um personagem de um drama urbano: um pai que busca o seu lugar ao sol no selvagem mundo capitalista, com honestidade, ideais e com uma autopiedade próxima do zero. Ou até mesmo abaixo disso.

É natural que a correria - indiferente à realidade que o Chris Gardner original possa ter passado - é uma analogia a corrida contra o tempo, ao "estar ativo", que uma busca nunca é passiva (Kenneth Fearing foi quem melhor se utilizou isso no livro "No Way Out", adaptado para o cinema pela terceira vem em 1987 com o título brasileiro "Sem Saída" - No Way Out - EUA - 1987 - Roger Donaldson).

Mas o que a correria que o ator/personagem demonstra em cena fez acabou me instigando a fazer uma breve pesquisa e comparação com outros filme. Elenquei, por lembrança espontânea, outros 3 atores/personagens e comparei com o desempenho do carismático "homem-de-preto": levantei as cenas em que Sylvester Stallone/Rocky, Franka Potente/Lola e Tom Hanks/Forrest Gump estão correndo em cena.

E a alemoa, pra minha surpresa, mandou ver - alguém se habilita a calcular o pace dela?

Acompanhe aqui o resultado da comparação.

Nota 1: desconsiderei as cenas que provavelmente eram de dublês em Forrest Gump e também as cenas em slow-motion de Rocky 3 e Lola.

Nota 2: para ilustrar o vídeo, coloquei para acompanhar um Liquid Tension Experiment, com a energética Paradigm Shift. Quem corre sabe como uma trilha sonora pode ser uma companheira muito estimulante.

Nota 3: e aqui, um extra, variando o tema, com um humor masterpiece.

Não me canso de ver Jerry Lewis cansando.

sábado, 8 de outubro de 2011

Tributo Atrevido ao "Senhor das Trevas"

Aproveitando o tema que o programa Light News, da Transamérica Light de Curitiba, explorou no dia 07/10/11, resolvi criar uma pequena história, um "tributo atrevido", tendo o personagem "diabo" como elemento principal.

De quebra fica a brincadeira de se tentar descobrir qual ator em qual filme personificou os personagens que aparecem na história.

Devo adiantar que "Gabriel", por ser um personagem muito abrangente na filmografia, se trata de Chistopher Walken em "Anjos Rebeldes" - assim fica óbvio, não?

Objetos e lugares também referenciam algumas obras.



O Diabo Não Tem Pressa

Quando o Continental Mack III pegava a saída da Route 66 em direção ao norte, as placas de sinalização não ofereciam muitas opções de cidades que aquela pequena rodovia poderia levar. Amityville, Hobb's End e Orington eram localizações que não constavam em muitos mapas. E um motorista desavisado não perceberia que essa estrada somente levava para essas cidades - veículos raramente eram vistos em sentido contrário, pois não era uma estrada que usualmente trazia.

Mas John Milton, seguro na direção do automóvel, não era um motorista desavisado. Uma vez por semana ele fazia o percurso inverso, ficando seis dias na região - e somente um fora dali, justo no dia que os justos descansam.

Suas mãos seguravam de forma firme o volante. Seus dedos - todos anelados - tamborilavam ao som de Cross Roads, de Robert Johnson. Ele aumentou o som.

- Melhor que a versão de Butler.

Uma voz de mulher, vinda do banco de trás, reclama.

- Ei. O bebê está dormindo!

Jack olha pelo retrovisor. Com uma leve fungada, volta a baixar o som.

A estrada se estreita. Uma placa sinaliza "Salusen's Lost Oasis - quatro milhas".

John olha para o marcador de combustível. Está a um terço da capacidade.

- Vamos ter que encostar pra abastecer. Amanhã terei muito trabalho e madrugarei - ele olha para cima - isso eu aprendi com Ele.

Ajeita o espelho retrovisor. Se olhando, comenta.

- Lembra quando eu estava acima do peso? As pessoas me confundiam com o Louis Cyphre, hahaha - me "confundiam", hahaha.

Um pouco adiante surge um posto de gasolina. Um Plymouth Fury 1958, vermelho, acaba de sair dali.

O carro entra e encosta junto a uma bomba.

John desliga o rádio e sai.

- Vai querer alguma coisa da loja de conveniência?

A mulher do banco de trás é fria.

- Não.

O frentista chega junto.

- Senhor Milton! Completamos?

John olha para o empregado maneta.

- Sim. Como sempre, Ashley.

Entrando na loja, John vai direto ao caixa. Uma mulher, gorda, mal-humorada, o atende.

- O que vai hoje?

- Boa noite... - ele precisa ler o nome dela no crachá - ...Ruth Patchett! Hoje só vou completar o tanque.

Enquanto ela faz as contas, John dá uma olhada geral no ambiente.

Um garoto ruivo está junto à gôndola de revistas. Está roubando uma revista erótica, colocando-a escondida sobre o casaco.

John lamenta para si.

- Junior Healy... ainda a procura de um pai.

Olhando mais ao fundo da loja, na parte do café, está uma mesa ocupada por quatro homens.

Todos estão olhando para John.

Sérios, silenciosos.

Ele se encaminha até eles.

- Frank Black, Jonathan Smith, John Constantine e até tu, Gabriel? O que é isso? Uma cruzada pós-moderna...?

Frank Black corta.

- Só vamos deixar você passar hoje porque estamos aqui por outro motivo. E você está com sua mulher. Sabemos que ela é só uma mulher. Não tem culpa de estar com você.

Gabriel completa.

- Mas nós sabemos a culpa que você tem para estar com ela.

O grupo cai na risada.

- Ha ha ha - desdenha John - vocês são fim de comédia de terror mesmo.

Nesse instante encosta um rabecão junto à loja. Quatro homens saem de dentro.

John se preocupa.

- Jack Torrance, John Robbes, Jerry Dandrige e Coffin Joe. Ainda não são os cavaleiros do apocalipse, mas parece que o motivo de vocês chegou - ou vieram me cobrar algumas contas, de novo.

Constantine recomenda.

- Saia pelos fundos. Seguraremos eles aqui.

John se apressa.

- Obrigado pessoal. E Gabriel: continua bonito, hein!

Gabriel ameaça partir pra cima, mas Jonathan o detém.

John sai da loja, cruzando com o quarteto, entra em seu carro e arranca rápido.

Gritos, tiros, explosões e luzes saem do posto enquanto uma moto Harley-Davidson, sem placa, chega.

- Saí em boa hora.

A mulher olha a moto passar e comenta.

- Johnny Blaze ainda tá tirando teu sono? Achei que você já tinha resolvido isso do mesmo modo que acertou as contas com o Al Simmons.

John suspira.

- Como se fosse fácil assim. Lembra-se do padre Merrin?

O carro entra numa viela, num pequeno bairro residencial.

- Parece que teremos novos vizinhos. Os Lutz saíram às pressas. Um escritor será o novo inquilino - Roger Cobb. Já ouviu falar? Diz que está querendo um pouco de "solitude", hehe. Quero ver se me convidamos ele para um chá. Sutter Cane vai morrer de inveja!

Ele encosta o carro junto a uma elegante casa. Saindo do carro ele abre a porta de trás para a passageira. Aproveita e dá uma breve olhada para a casa do outro lado da rua. Uma freira está na janela do andar de cima. Ela olha para o vazio.

- Alison Parker. O que ela fez com o Charles Chazen foi algo digno de respeito.

A mulher sai do carro.

- Como está o "Hellboy", Rosemary? Já acordou?

Rosemary, segurando o bebê no colo, olha para John.

- Kevin é o nome dele. Sabe que odeio apelidos.

Ela se encaminha para a casa.

John vai atrás.

- É... querida, Jericho Cane ficou de passar me pegar, pra gente fazer tomar umas hoje no bar do John Ryder. Parece que Eugene Martone vai tocar lá.

Rosemary pára junto à soleira, se vira para John Milton e dispara.

- Isso é o que VOCÊ pensa. Dá outra vez soube que Justine Jones e Regan MacNeil estavam por lá a aprontaram das suas. Agora sobe e prepare a água para o banho - e água não-sulfurosa.

Ela entra na casa.

Nuvens tempestuosas se vêem no horizonte, à medida que o sol surge.

John grita.

- Por que, Senhor? PORQUÊ?

Fim